07 abril 2007

Cajuína

Há um mito de que Caetano tenha feito a música “Cajuína” para Teresina. Não é verdade!

A música foi composta pro Dr. Eli, pai de Torquato Neto. Ele, pessoa sensacional, humilde, simples, de uma amabilidade fenomenal, não lhe reclama que lhe tomem o que é seu de direito. E escuta contarem como verdade o mito falso de que a “Cajuína” é de Teresina.

Leia a letra da música, tente ver alguma homenagem a Teresina... Depois eu volto.

Cajuína
Caetano Veloso

Existirmos a que será que se destina
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina



Viu alguma coisa homenageando Teresina? Falou do Rio Poty? Da ponte metálica? Do encontro dos rios? Do Troca-troca? Não, né? Pois é... Não tem nada de Teresina.

No livro “Pra mim chega - A biografia de Torquato Neto”, Toninho Vaz conta:
(Em 1979,) Caetano compõe e grava Cajuína, escrita depois de uma visita a doutor Heli, em Teresina, que lhe deu a rosa pequenina colhida no jardim da casa, na Coelho de Resende. Sobre esse encontro, doutor Heli diria: “O rapaz chorou muito aquele dia”. (Edt. Casa Amarela - pág. 207)
Tá, você pode achar que não prova nada. Então, que tal as palavras do próprio Caetano Veloso?
Numa excursão pelo Brasil com o show Muito, creio, no final dos anos 70, recebi, no hotel em Teresina, a visita de Dr. Eli, o pai de Torquato. Eu já o conhecia pois ele tinha vindo ao Rio umas duas vezes. Mas era a primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato.

Torquato estava, de certa forma , afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha chegada de Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio (com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool).

Eu não o vira em Londres: ele estivera na Europa mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso.

No dia em que ele se matou, eu estava recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso. Torquato tinha se aproximado muito de Chico, logo antes do tropicalismo: entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais freqüentemente com Chico do que comigo. Chico eu eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato ter estado longe e mal.

Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental. Quando, anos depois, encontrei Dr. Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durantes horas, sem parar.

Dr. Eli me consolava, carinhosamente. Levou-me à sua casa. D. Salomé, a mãe de Torquato, estava hospitalizada. Então ficamos só ele e eu na casa. Ele não dizia quase nada. Tirou uma rosa-menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquato distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois. E bebemos lentamente. Durante todo o tempo eu chorava.

Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Dr. Eli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei. No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi Cajuína.
(Veja em http://oglobo.globo.com/blogs/moreno/post.asp?cod_Post=10886)

Agora, volte lá pro início do post e leia a letra, desta vez sabendo como foi feita.

Entendeu a letra agora? Então, faz um favor pro “homem lindo”, pai do “menino infeliz”: passe essa história pra frente.

6 comentários:

Anônimo disse...

A música se torna ainda mais linda depois de esclarecida. Obrigado!

Unknown disse...

Adorei seu blog...mto interessante os artigos!!!

Scotch Miller disse...

Obrigado pelos elogios.

Alexandre, de nada. Também achei a música mil vezes mais bonita, porque fez sentido, principalmente "vi que és um homem lindo" e "a sina do menino infeliz". Teresina é "cidade menina", mulher, feminino... Como encaixar. Hoje sei que Caetano fala de Dr. Eli e Torquato.

Cacília, obrigado pelo elogio. Sinta-se a vontade para voltar sempre e comentar sempre que der vontade.

Anônimo disse...

Isso é que é exemplo de compromisso com a verdade dos fatos! Seria bom que uma horda de ignorantes de um blog chamado frankamente se desse ao trabalho de acessar estas informações suas... mas isso eles certamente não farão, a sua obtusidade lhes basta!

Anônimo disse...

Você tem a verdade. Essa mesma história, João Cláudio Moreno falou diversas vezes. A música é para o Dr Heli e para o Torquato.

Aline Alencar disse...

Que linda a história dessa musica...
Parabéns pela pesquisa.