29 dezembro 2006

Fases da vida 2

Quando criança, o filho acha que o pai é um super-herói e quer ser igualzinho a ele.
Na adolescência, o filho acha que o pai não sabe de nada e quer ser qualquer coisa no mundo, menos uma cópia dele.
Um dia o filho percebe que o pai é, sim, um super-herói, pois fez o melhor que podia com o que tinha à mão. E daria tudo o que tem na vida para conseguir, ao menos, ser metade do que o pai foi.

PS1: Alguns só percebem isso quando não podem mais desfrutar da companhia deles.
PS2: Esse texto vale para filhos e pais e também para filhas e mães.

Fases da vida 1

A criança não sabe que é alguém, não tem consciência de si.
O adolescente sabe que é alguém, mas ainda não sabe quem é.
O adulto sabe que é alguém e, além disso, sabe quem é.
A adolescência é, portanto, a fase da vida entre a percepção de que se é alguém e a descoberta de quem se é.
(E daí vem a necessidade de auto-afirmação, ruptura de paradigmas etc.)

28 dezembro 2006

Como dizia Aristóteles...

Todos conhecem a história do mentiroso que soltava sempre a frase “Como dizia Fulano...” (e esse Fulano era sempre alguém importante: Shaekespeare, Sócrates, Kubitschek, Gandhi, Lennon, cada vez era um diferente). Depois, o Pinóquio soltava a frase que ele mesmo tinha inventado.

Um dia, soltou-se a mentir e a inventar e por fim arrematou: “Como dizia São Francisco...” e blá-blá-blá. Um dos ouvintes, devoto do Santo, não conhecia a frase e resolveu perguntar: “E São Francisco disse isso?” O contador de lorotas não se fez de rogado. Simplesmente disse “Se não disse, deveria ter dito!”

------------

Assim parece ser a Internet... Já recebi textos de Einsten, Drummond, Fernando Pessoa, Madre Teresa, Arnaldo Jabor e tantos outros que eu tenho certeza que não foram escritos por eles.

Tem texto falando de Deus escrito por ateu, tem texto sem pé nem cabeça “assinado” por escritores de qualidade universal, tem texto tratando de assunto fútil “redigido” por cientistas ocupadíssimos... Tem até texto que fala de poluição “escrito” por Sócrates (e eu nem sabia que a Grécia era poluída naquela época!)

“Quem conta um conto, aumenta um ponto”, já dizia Aristóteles
(E se não disse, deveria ter dito)

23 dezembro 2006

O “Se...” do canalha nacional (texto de Arnaldo Jabor)

SE PUDERES MANTER a cabeça erguida, quando todos te acusarem, chamando-te de “ladrão” ou “corrupto” por te terem pegado com a mão dentro da cumbuca,

se mantiveres a aparente dignidade, mesmo diante de provas inabaláveis do teu crime e disseres com voz calma e serena: “Tudo isso é uma infâmia sórdida de meus inimigos”, ou ainda: “Não me lembro se esta loura de coxas douradas foi minha secretária ou não...”,

se disseres isso sem suar, sem desmanchar a gravata, com roupas impecáveis que não revelem o esterco que te vai dentro d’alma, se fores capaz de chorar diante de uma CPI, ostentando arrependimento profundo, usando de tudo, filhos, pais, pátria, tudo para te livrar... e, sobretudo, se puderes construir uma ideologia que te justifique e absolva, de modo que os atos mais sujos ganhem uma luz de beleza e coragem, se puderes dourar tua pílula, colorir teus crimes, musicar teus grunhidos, de modo que possas mentir com fé, trair sem remorsos e roubar com júbilo,

se puderes crer, por exemplo, que tens direito de roubar o povo para vingar uma infância pobre, ou de que roubas por teres sido injustiçado por pai severo ou porque tua mãe foi lavadeira e prostituta para pagar teu diploma fajuto de business administration, se acreditares mesmo que tens direito de superfaturar remédios de criancinhas com câncer porque também sofreste como menino comido por garotão mais forte no porão da tua infância (dor e delícia sempre negadas por teu machismo compensatório),

se, no fundo do coração, achas que roubar o Estado ou os estados ou as prefeituras ou os camelôs ou os lixeiros ou os mendigos é, portanto, uma causa nobre e um ato quase revolucionário, que a mutreta, a maracutaia, a “mão grande”, o “apaga-a-luz” o “me dá o meu aí” têm algo de transgressão pós-moderna, algo de Robin Hood para si mesmo, como dizes, soltando a piada “ah-ah, roubo dos ricos para o pobre aqui... ah-ah”,

ou se, por mais político ou ideológico, disseres a ti mesmo que roubas porque, “neste fim de século, a globalização da economia e o imperialismo nos assaltam” e que tu tascas antes deles, num ato nacionalista tipo “antes eu do que eles”,

ou se te orgulhares de ter instaurado a gorjeta, a mixaria, o serviço de 25% (pois, como dissestes, “10% é para garçom”) enquanto enfias a língua na orelha da lobista gostosa ao teu lado no Piantella, de porre e feliz,

ou se justificares tua fortuna escrota por motivos mais científicos, invocando Darwin ou Spencer, declarando que o animal humano sobrevive pela agressão e competição (survival for the fittest) e que, portanto, assim como o chimpanzé ataca o mico leão ou como o jacaré come o veado ou como a fêmea do louva-a-deus o devora como uma Nicéa enlouquecida ou como a formiga escraviza pulgões e rouba-lhes o leitinho, também cumpres a ordem natural das coisas, concluindo com erudição: “Roubo sim, pois isso está inscrito no genoma dos hominídeos há 50 milhões de anos”,

ou ainda se, mais metafísico ou filosófico, contemplares o crepúsculo e lamentares melancolicamente que “acabou o tempo das utopias...” ou “a vida é uma ilusão dos sentidos” e, portanto, “roubo sim e caguei...”,

ou ainda se, num gesto de infinita superioridade existencial ou literária, invocando Villon ou Jean Genet, assumires tua fisionomia de rato ou de preá, tua carinha embochechada por anos de uisquinhos, licores, pudins, babaganuches, se te orgulhares de tua esperteza e, de cuecas diante do espelho, enquanto a amante se lava no banheiro, berrares com júbilo: “Eta garoto bão, espertalhaço!”, ou seja, se diante de si e do mundo, puderes enfunar a barrigona cheia de merda e dizer: “Sou ladrão sim, mas quem não é?” ou “Podem me acusar, mas quem tem este Renoir?”,

se puderes cultivar todos esses méritos, se puderes justificar com serenidade tua vida de estelionatos, pequenos furtos, orelhas de traficantes ou até mesmo de esquartejamentos com motosserras (“Esquartejo sim, mas por bom motivo...”), se puderes fazer tudo isso, confiante nos teus advogados sempre alertas como escoteiros na pilhagem nacional, confiante na absoluta conivência de rituais jurídicos que sempre te livrarão da cadeia, enquanto os pardos pobres apodrecem nas celas com aids e “quentinhas” superfaturadas,

e se, além da confiança na cega Justiça, dos desembargadores que sempre te acolherão, se, além desse remanso, desse consolo que te encoraja, roubares mesmo, no duro, por amor à causa, por paixão, por desejo sexual, pelo bruto tesão de acumular o máximo de dólares para nada, pela fome de lanchas, jatos, putas, coberturas, Miami, Paris, e se, com fé e coragem, reconheceres esse prazer com orgulho e sem remorsos, então, eu te direi, com certeza, que vais herdar a terra toda com todos os dinheiros públicos dentro e, mais que isso, eu te direi que serás, sim, impune para sempre, um extraordinário canalha, meu filho, um verdadeiro, um grandioso filho-da-puta brasileiro!

07 dezembro 2006

Turistas

Recebi algumas vezes uma mensagem pedindo para boicotar o filme estadunidense TURISTAS.

De acordo com a mensagem:

1. O filme conta a história de 6 jovens americanos que vêm ao Brasil de férias. Chegando aqui tomam uma caipirinha com “boa noite cinderela”...
    • Qual a mentira? Todos os dias isso acontece nesse nosso país. Quem duvidar, vá até a rodoviária da sua cidade e veja. Vira e mexe chega alguém completamente “dopado” e fica lá no setor de desembarque, esperando acordar pra se dar conta de que foi assaltado.
2. ... são assaltados, seqüestrados, torturados e por fim têm os órgãos roubados por traficantes da indústria negra dos transplantes.
    • Tá certo, exageraram um pouco... Mas tenho certeza de que chegaremos a isso se não começarmos a pensar no combate à violência de forma séria e não nesse teatro que as autoridades montam toda vez que tem algum caso grave e principalmente nos períodos eleitorais. Quantos casos ainda teremos até que se faça algo sério? Se não nos cuidarmos, chegaremos a este estágio e ao invés de “terror”, o filme passará pra prateleira de “documentário”.
3. ... a EMBRATUR já está tão preocupada com a péssima repercussão do filme lá fora que, temendo uma queda brusca na receita do país vinda do turismo internacional, já está preparando campanhas intensas para serem veiculadas lá fora e tentar minimizar os estragos.
    • Por partes... A Embratur está preocupada? Tem mesmo que estar. Eu queria que a polícia se preocupasse, que o presidente se preocupasse, que as autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, Federais, Estaduais e Municipais, queria que eles se preocupassem. A Embratur tem que se preocupar com os folhetos das agências de turismo que ao falarem das belezas naturais mostram sempre uma mulata de fio dental em alguma praia, ou então desfiles carnavalescos de seminus (ou nus, mesmo). Deveria se preocupar com a infra-estrutura que não há para receber turistas que serão maltratados e nunca voltarão e ainda convencerão outros a não virem.
    • Outro ponto: receita vinda do turismo internacional? Qual? O Brasil, o PAÍS inteiro recebe menos turistas que várias CIDADES do mundo. O nosso PAÍS perde pra Paris, Barcelona, Veneza, Roma, Nova York e várias outras CIDADES. Receita do turismo internacional? Fala sério!
4. Só para se ter uma idéia, o trailer começa com a frase: “Num país onde vale tudo, tudo pode acontecer!”
    • E qual a mentira mesmo? Aqui não vale tudo? Vale compra de reeleição, mensalão, valerioduto, CPIzza, jeitinho brasileiro, PCC... Aqui, camaradas, VALE TUDO e aí, TUDO PODE ACONTECER. A fama do brasileiro é essa mesma, de corrupto, malandro, de quem acha que vale tudo: de furar fila a roubar na hora de pagar a conta. Qualquer brasileiro que viajar ao exterior experimentará a desconfiança dos funcionários de hotéis, parques e lojas.
Não vou assistir esse filme porque é terror e, pra aterrorizar, bastam os jornais. Mas não vi nada de mais na história do filme, só a realidade.

É engraçado... Falou mal do Brasil, todo mundo se dói, mas CONSERTAR o que está errado, ninguém quer. O caráter nacional é esse mesmo... Furar fila, furar sinal vermelho, jeitinho brasileiro. Você pode até não fazer, ser correto e tal. Mas, como povo, somos sem caráter.

Gente que pensa assim (além de mim, do Scotch e da Alesya):
Bruno Alves
Tarja Preta